Um homem mora num jardim público durante dois anos. Tem apenas um
cobertor vermelho e um copo de vinho alto. Tudo o resto são roupas, cartões e
revistas que troca com frequência. Sente um imenso orgulho e gratidão por ter
tido este lugar tão cobiçado por ele neste jardim da cidade e de não ter sido
expulso à pedrada pela polícia, pelos outros homens ou um qualquer movimento de
moradores. Mantém o seu sítio sempre arrumado e limpo. E durante o dia, quando
todo o resto de moradores regressa ao jardim, ele sai pelas ruas da cidade.
Procura histórias e comida. É isto que lhe basta para viver desde que escolheu
o seu lugar no jardim e aprendeu a viver sobrevivendo. Adquiriu a qualidade de
vida há tanto esperada. A garantia de escolher livremente o que quer que seja
para a sua vida. Não tem obrigações, responsabilidades, pretensões. Basta-lhe
esta casa.
Mas
um dia o jardim vai para obras.
Quando começaram os primeiros rumores sobre essa possibilidade, não
fez parte dos movimentos que se opuseram e maldisseram as decisões tomadas. Não
fez parte do Dia da Mocada em que homens e máquinas voltaram para trás sem
conseguir iniciar a Muralha de Tapume que fecharia o jardim durante meses, para
depois reabrir novinho em folha, todo
arranjadinho. Tinha estado sempre lá,
mas não, não tinha feito parte. Tinha assistido. Simplesmente. [E talvez agora
percebesse que devia ter-se envolvido, mas na altura ele não sabia isso.] Aceita
simplesmente e segue o seu caminho na noite em que fecham a Muralha
definitivamente. Vai pela avenida fora preparado para escolher outros sítios
provisórios e encara este tempo como uma grande viagem de férias em que os
horizontes se abrem e uma quantidade imensa de histórias ficam à sua
disponibilidade. Cria novos espaços durante o tempo em que espera pelo regresso
ao jardim e pela primeira vez escreve postais para si próprio na ânsia de
guardar este universo na sua casa. Quando finalmente regressa ao jardim,
todo o espaço estava diferente. Todos os recantos que conhecia estavam
descaracterizados e tipificados com os novos equipamentos de jardim que
tornavam todos os espaços verdes iguais.
Procurou o seu canto. O seu cheiro. Os
restos de si naquele jardim e, pela primeira vez, se sentiu sem abrigo.
Sem comentários:
Enviar um comentário