27.9.12

olhos

disse-lhe ela ao ouvido tenho de virar os olhos para fora. mas ele não percebeu. não era a dicção. não era a articulação. mas ele não percebeu o quê? pareceu-lhe a ela que o problema era o volume e repetiu mais alto. com os lábios ainda encostados no ouvido dele. tenho-de-virar-os-olhos-para-fora. é desta. ele acariciou-lhe os cabelos. afastou-se. olhou-a por momentos nos olhos. encostou os lábios ao seu ouvido e sussurrou-lhe tu tens os olhos virados para fora. então ela descansou a cabeça nos seus lábios e fechou finalmente os olhos.

26.9.12

setembro

desde sempre que setembro é um mês estranho de nostalgia e recomeço. acabaram as férias. tenta-se prolongá-las mais um bocadinho enquanto faz bom tempo. fazem-se revisitas em fotografias e conversas de amigos e pequenos momentos antes de adormecer. guardam-se umas quantas memórias para aquecer o coração durante o frio do inverno. traz-se a força que ficou delas. e recomeça-se de novo. começam-se a traçar novos projectos. a não deixar morrer alguns já traçados. tentam encaixar-se horários, reganhar a rotina necessária para a organização mental e circunstancial. começa-se a acordar de noite. a jantar já de noite. a tentar fazer tudo o que queremos entre uma noite e a outra. no fundo, vamos tendo a certeza de que o verão acabou e de que a mudança está para acontecer. e entre o longo agosto de praia, que se apequena quando voltamos, e o  outonal outubro já equilibrado no corpo e nos dias, fica este mês de setembro nostálgico e  sonhador. agridoce. docemente tumultuoso.

22.9.12

muda de vida




Muda de vida se há vida em ti a latejar


Olha que a vida não é nem deve ser 

como um castigo que tu terás que viver


António Variações

19.9.12

sacos de plástico



é tão difícil arrumar sacos de plástico. conseguir a combinação perfeita entre o espaço, o objecto, a paciência e o tempo para os arrumar. dá pena deitá-los fora, porque pode sempre aproveitar-se para "qualquer-coisa". dá pena porque até parece mal comprá-los e não os reutilizar. vão-se guardando todos. um dia, já eles estão demasiado despenteados, até começam a aparecer fora do sítio onde se guardam. depois arranja-se um outro saco para os sacos que estão de fora e ficam guardados "mais-aqui-à-mão". e depois o saco de papel que sempre dá para a reciclagem. e mais os sacos das lojas que são tão giros e não sei quê e não sei que mais... e de desculpa em desculpa, chegamos ao dia em que um grande monte de sacos tomou a nossa casa e nós ficamos  todos amarfanhadinhos, guardadinhos num sítio qualquer.


18.9.12

corpo

concentra-te no corpo. 
concentra-te no potencial de cada parte do corpo. 
respira.
concentra-te na vida que lhe corre dentro. 

respira.

concentra-te no que ele te diz e no que te pede. 


respira calmamente.


pensa que és o corpo e não que o tens. 

(...)

acredita que ele pensa e sabe o que tens de fazer. 



ouve-o. 


respira.

respira.

respira.

16.9.12

dia seguinte

naquele dia seguinte aos grandes acontecimentos parece que fica em nós um silêncio sossegado e os pensamentos têm espaço para serem tidos com calma. num desses passeios pelos pensamentos, muito acompanhado por aquilo que me ficou no coração, tive a sensação de que é não um direito, mas um dever nosso procurar o melhor e, sem dúvida, marcar esta nossa passagem pelo planeta terra. não para ganharmos méritos, não para ficarmos para a história, mas para termos a certeza de que fizemos o que tínhamos a fazer neste nosso cantinho da humanidade e que ela poderá perdurar pelos tempos sempre com a capacidade de lutar e usufruir de toda a sua vida.

5.9.12

dias úteis




mesmo por pretextos fúteis

a alegria é o que nos torna

os dias úteis
sérgio godinho

para a T., a C. e a J.
e para a praia de fim de tarde 
e o anoitecer de caracóis e pica pau
e a noite com esplanada só para nós
e mar ao lado só para nós
e escuridão só para nós

4.9.12

há dias XXVIII

há dias em que sentimos um fervilhar cá dentro 
porque uma pessoa deu um salto de gigante ao pé de nós
e começamos a ter vontade de o dar também

2.9.12

diz... e então ela disse. não tenho palavras. e fez um silêncio. não tinha de facto palavras. o vento batia-lhe no corpo, mas era era um vento quente. o sol quase a pôr-se e o vento ainda quente. batia-lhe também o cansaço do dia e a expectativa do seu fim. nunca ousara deixar o dia tão em aberto. e, agora, ali sentada na esplanada, era o silêncio que lhe apetecia. ele acabou por ceder e acompanhar a sua falta de palavras. e era como se nesse instante todas elas se tivessem tornado inúteis e restasse apenas aquele fim de tarde entre os dois.