25.5.08

medo do escuro


sempre tive um medo terrível do escuro. no escuro viviam mãos atrás de paredes ou debaixo de camas, prontas a agarrar-me nas pernas e nos braços, mal sentissem a minha passagem. no escuro viviam sons irreconhecíveis que se transformavam em monstros ameaçadores. no escuro vivia um desconhecido muito grande que me assustava e que eu tentava nunca conhecer. tinha dele uma imagem tenebrosa.
o meu corpo ganhava uma vida própria. ou corria desalmadamente em direcção à luz e só aí podia respirar ou tornava-se rígido incapaz de se movimentar.
havia dois pequenos momentos que se tornavam para mim uma verdadeira aventura contra o medo. subir ao sótão para arrumar os brinquedos que tinha deixado desarrumados do dia e ir despejar os restos do jantar no galinheiro. eram para mim verdadeiras lutas contra a fantasia. as escadas tornavam-se gigantes. demorava muito tempo a subi-las, com o coração numa corrida louca, as pernas tremeliques e os olhos presos naquele rectângulo preto que me esperava lá em cima. os olhos não podiam sair dali não fosse eu ser apanhada de surpresa pelo tal desconhecido ou pelos seus cúmplices. quando lá chegava o corpo acelarava os movimentos e a mão precipitava-se para o interruptor. com luz era diferente. o medo ainda tinha espaço, mas eu podia ver tudo. quando acabava a tarefa de arrumação, apagava as luzes e corria a toda a velocidade, escadas abaixo, até encontrar alguém. a minha professora da escola dizia que eu devia era subir as escadas a fazer muito barulho com os pés, para assustar o escuro e os monstros que lá morassem. com o medo, iam embora de certeza. tentei esta estratégia algumas vezes, mas a verdade é que o medo continuava a sobrepôr-se à certeza de que eles iriam embora com o som dos meus pés. já com as galinhas era diferente. havia apenas uma luz no pátio e, para chegar ao galinheiro, tinha de atravessar o quintal, cheio de frutas e hortaliças prontas a atacar-me ou a esconder animais carnívoros esfaimados. nesse percurso corria. corria o mais depressa que conseguia. tenho ideia de sempre ter desempenhado mal esta tarefa. a cabeça quase não pensava nela porque estava ocupada a fazer correr o corpo completamente imerso no medo do escuro.

a luz do corredor ficou acesa até muito tarde para eu dormir e, quando ganhei vergonha, passei a garantir que não era a última a deitar-me para, ao menos, sentir que havia luz lá fora.
no quarto, à noite, deixava apenas o nariz e os olhos de fora dos cobertores. e ficava muito quieta quando um ruído disparava o medo em mim. a respiração parava, mexia os olhos de um lado para o outro para tentar ver na escuridão e o corpo ficava incrivelmente semelhante a uma pedra.


eram sensações tão fortes. todo o meu corpo e a minha cabeça se concentravam no escuro, nas imensas possibilidades assustadoras que podiam aparecer repentinamente. tenho uma memória muito física das corridas e do som do coração.


curiosamente o medo não cresceu como eu. foi-se tornando pequenino. foi deixando de inventar monstros e outros seres que tais. foi perdendo a sua força. e eu fui criando novas formas de o pôr a correr a ele.

mas sei que ele ainda cá mora e que está sempre pronto a fazer-me correr ou petrificar-me.
(ontem acendi todas a luzes de casa)

2 comentários:

Anónimo disse...

o teu escuro, o meu "homem de preto"! xiça, que medo!

beijo grande amiguinha!
F

JoanaM disse...

Eu tambem tenho medo do escuro... no meu medo viviam sobretudo bichos e sons humanos desconhecidos. Ainda hoje não gosto de ser a ultima a adormecer. Beijinhos mana