29.5.08

não-primavera

quando ainda dormimos com um cobertor por cima do edredon, não estamos em plena primavera, pois não?
quando o frio nos demove de ir à feira do livro, não estamos em plena primavera, pois não?
quando as t-shirts ainda se escondem debaixo de uma camisolinha e um blusão, não estamos em plena primavera, pois não?
quando não sentimos o calor a tocar-nos a pele um dia inteiro durante quinze dias, não estamos em plena primavera, pois não?
quando abrimos a persiana de manhã e está um sol bonito e saímos à rua e já enublou, não estamos em plena primavera, pois não?
quando não conseguimos usufruir das esplanadas, dos jardins e dos miradouros, não estamos em plena primavera, pois não?
quando os corpos ainda se aconchegam a si próprios ao caminhar, não estamos na primavera, pois não?
quando nos começamos a aborrecer de estar em casa, não estamos em plena primavera, pois não?

["não, amiga. este ano a primavera existe aos bocadinhos." ]

que aborrecimento.

25.5.08

medo do escuro


sempre tive um medo terrível do escuro. no escuro viviam mãos atrás de paredes ou debaixo de camas, prontas a agarrar-me nas pernas e nos braços, mal sentissem a minha passagem. no escuro viviam sons irreconhecíveis que se transformavam em monstros ameaçadores. no escuro vivia um desconhecido muito grande que me assustava e que eu tentava nunca conhecer. tinha dele uma imagem tenebrosa.
o meu corpo ganhava uma vida própria. ou corria desalmadamente em direcção à luz e só aí podia respirar ou tornava-se rígido incapaz de se movimentar.
havia dois pequenos momentos que se tornavam para mim uma verdadeira aventura contra o medo. subir ao sótão para arrumar os brinquedos que tinha deixado desarrumados do dia e ir despejar os restos do jantar no galinheiro. eram para mim verdadeiras lutas contra a fantasia. as escadas tornavam-se gigantes. demorava muito tempo a subi-las, com o coração numa corrida louca, as pernas tremeliques e os olhos presos naquele rectângulo preto que me esperava lá em cima. os olhos não podiam sair dali não fosse eu ser apanhada de surpresa pelo tal desconhecido ou pelos seus cúmplices. quando lá chegava o corpo acelarava os movimentos e a mão precipitava-se para o interruptor. com luz era diferente. o medo ainda tinha espaço, mas eu podia ver tudo. quando acabava a tarefa de arrumação, apagava as luzes e corria a toda a velocidade, escadas abaixo, até encontrar alguém. a minha professora da escola dizia que eu devia era subir as escadas a fazer muito barulho com os pés, para assustar o escuro e os monstros que lá morassem. com o medo, iam embora de certeza. tentei esta estratégia algumas vezes, mas a verdade é que o medo continuava a sobrepôr-se à certeza de que eles iriam embora com o som dos meus pés. já com as galinhas era diferente. havia apenas uma luz no pátio e, para chegar ao galinheiro, tinha de atravessar o quintal, cheio de frutas e hortaliças prontas a atacar-me ou a esconder animais carnívoros esfaimados. nesse percurso corria. corria o mais depressa que conseguia. tenho ideia de sempre ter desempenhado mal esta tarefa. a cabeça quase não pensava nela porque estava ocupada a fazer correr o corpo completamente imerso no medo do escuro.

a luz do corredor ficou acesa até muito tarde para eu dormir e, quando ganhei vergonha, passei a garantir que não era a última a deitar-me para, ao menos, sentir que havia luz lá fora.
no quarto, à noite, deixava apenas o nariz e os olhos de fora dos cobertores. e ficava muito quieta quando um ruído disparava o medo em mim. a respiração parava, mexia os olhos de um lado para o outro para tentar ver na escuridão e o corpo ficava incrivelmente semelhante a uma pedra.


eram sensações tão fortes. todo o meu corpo e a minha cabeça se concentravam no escuro, nas imensas possibilidades assustadoras que podiam aparecer repentinamente. tenho uma memória muito física das corridas e do som do coração.


curiosamente o medo não cresceu como eu. foi-se tornando pequenino. foi deixando de inventar monstros e outros seres que tais. foi perdendo a sua força. e eu fui criando novas formas de o pôr a correr a ele.

mas sei que ele ainda cá mora e que está sempre pronto a fazer-me correr ou petrificar-me.
(ontem acendi todas a luzes de casa)

17.5.08

De Paris com Amor

"Não conto o tempo, não discuto o tempo, não registo o tempo, não brinco com o tempo, não abraço o tempo, não contesto o tempo, não trato mal o tempo, não diabolizo o tempo. Agarro o tempo que o tempo me oferece, falo no tempo que faço meu, dialogo com os tempos que agendo, não escolho tempos, ofereço-me ao tempo para que o tempo me permita ter tempo para disponibilizar o tempo necessário para enviar esta mensagem e outras. Espero que a recebas dentro do teu tempo. Que tal o tempo por aí?"

Alcino Cartaxo, 16 de Maio de 2008
quem sai aos seus não degenera

13.5.08

Eusébio

Não sei quase nada sobre o Eusébio nem sobre a sua vida futebolística. Tenho imagens dele a preto e branco a correr pelo campo e de uma toalha e um zumbido nos ouvidos de que ele foi grande jogador e é grande benfiquista. Fora isso, não tenho uma opinião formada sobre ele nesta área.
No entanto, hoje, numa grande fila de trânsito, daquelas em que é difícil uma pessoa encaixar o seu carro se não for bruta, tive o privilégio de ter sido convidada a entrar na fila pelo próprio. Ele mesmo, Eusébio, ao fim de alguns carros de espera e algumas tentativas, assentiu com a cabeça a minha entrada. Descobri o Eusébio condutor. A minha opinião sobre este Eusébio é bem mais segura que a do futebolista. Sim, ele é um bom automobilista de cidade.

10.5.08

bolinhos da sorte

"Follow your aim, self-consciousness will show you how."
"Others will provide you a wonderful journey."

6.5.08

experiência de desculpa

peço a todos os leitores as minhas desculpas pelo amarelo e o bold repentinos do último post.
foi experiência. só agora a testei. negativo!

5.5.08

de vez em quando apetece-me chover.
quando as nuvens são pesadas e não há meio de abrirem definitivamente, fica aquele tempo trovoada dentro de mim e, então, apetece-me mesmo chover. apetece-me chover para mandar as nuvens embora. apetece-me chover para sentir o cheiro da terra molhada e para a natureza desatar a crescer. apetece-me chover para as ideias serem mais claras à luz do sol e a cabeça ter mais espaço para mais ideias. apetece-me chover para desanuviar o céu e eu deixar de me sentir abafada.
choverei?