22.5.11

o teatro municipal

quando eu era pequenina, participava nos saraus de música e de ballet das (respectivas) escolas a que pertencia. era um acontecimento: nesse dia, tínhamos a oportunidade de pisar o palco do teatro municipal e estar perante uma plateia enorme que ali estava para nos ver e ouvir. era um orgulho imenso. dias muito especiais. o teatro era enorme e eu tinha esse sentimento de ser enorme também. a plateia era enorme e só ficava um bocadinho mais pequena depois de localizar o pai e a mãe. o nervosismo era enorme e proporcional à satisfação do fim do dia. e tudo era tão enorme que os anos foram passando e a memória também ficou assim guardada de dias, espaços e emoções enormes.
ontem, voltei a entrar no teatro municipal. já não para a festa de fim de ano de nenhuma escola de música ou dança, mas para fazer parte da plateia. levava uma forte emoção de estar de novo a entrar num espaço de memória e, enquanto esperava e reconhecia alguns dos rostos à minha volta e os tentava localizar no tempo, pensava em como a tinha guardada. os camarins por onde corria de um lado para o outro numa euforia característica, o espaço antes das cortinas onde esperava a minha vez e espreitava às escondidas, as entradas sorridentes com o tutu que me fazia sentir tão menina, a ansiedade de encontrar alguém conhecido a ver-me na plateia, o nervosismo para não me enganar, a vontade de rir desse mesmo nervosismo. sentia-me, enquanto esperava, de visita ao meu próprio passado e senti um gosto imenso de estar a revisitar tudo isto e uma curiosidade imensa de saber do espaço para lá das portas.
abriram-nas finalmente e eu segui a fila dos lugares ímpares. quando entrei na sala a minha memória deu saltos rápidos entre o passado e o presente. bem rápidos. a minha memória não reconheceu o espaço. tinha havido obras, eu sabia, e tudo estava diferente e tudo era muito mais pequeno do que a minha memória guardava. atravessei a sala dum lado ao outro num instante e não quis acreditar que aquele salão da minha infância era ,e sempre tinha sido afinal, só esta sala. no palco, o homem para quem dei os meus primeiros passos, apresentava o primeiro painel. também ele mais pequeno do que eu me lembrava.

à noite, ainda guardava estas imagens e a sensação espacial e temporal do teatro estar diferente e de eu própria estar também diferente. garantiram-me que o teatro não estava mais pequeno, apesar das obras. e que, sim, eu é que tinha crescido.
talvez eu tenha crescido só uns quarenta centímetros desde essa altura, mas o teatro municipal diminui muitos e muitos metros.
vou guardar a memória da infância. a enormidade da sala e da sensação. é esse o teatro que vou guardar para sempre.


Sem comentários: